quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PROPOSTAS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS

Proposta de Tese N º 1 para a 1ª COMUCOM/RJ


Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Sobre os ‘critérios morais’ de base religiosa, equivocadamente aplicados à publicidade que se refere à prevenção de DST/AIDS (Obs.: essa tese se refere aos três níveis: municipal, estadual e nacional)

Apesar de termos cada vez mais avanços tecnológicos, na área social ainda vivemos no obscurantismo. Quando a publicidade e propaganda se referem a temas importantes que são ligados direta ou indiretamente ao relacionamento afetivo-sexual – em especial à diversidade sexual e identidade de gênero – as iniciativas são tímidas e enfrentam pressões por parte de grupos de base religiosa. Quando surge um bom anúncio, seja pelo teor impactante, pela clareza da mensagem ou pela naturalidade com que lida com a diversidade, ele sofre censura e é rapidamente tirado do ar.

A epidemia mundial de HIV é um fato, uma realidade que precisa ser enfrentada. Há cerca de uma década, havia campanhas bem idealizadas, com peças publicitárias voltadas em especial para o público masculino (independente da orientação sexual), alertando para a necessidade de se usar preservativos não só como forma de prevenir o contágio do HIV, mas também para evitar a gravidez e várias DST (doenças sexualmente transmissíveis). Entendia-se que o público masculino era o principal alvo de tais campanhas, tanto por razões práticas – desde aquela época o HIV tinha uma incidência comprovadamente maior entre os gays, bissexuais e HSH (homens que fazem sexo com homens) – quanto por razões culturais: seja por educação cristã ou simplesmente por idéias equivocadas e machistas, os homens se recusavam (e ainda se recusam) a usar o preservativo.

Hoje, infelizmente, parecemos ter regredido: não se vê quase mais publicidade a respeito; o Ministério da Saúde se vê de mãos atadas nessa empreitada, que ainda sofre críticas, questionamentos e argumentações equivocadas, cujo teor só aumenta o preconceito e a discriminação, tanto contra pessoas com HIV quanto contra pessoas LGBT.

É preciso mudar esse quadro com urgência. Nossos jovens, principalmente, precisam receber a informação de maneira rápida e honesta, sem pudores. Pesquisas mostram que os jovens não usam preservativo, talvez por não terem vivenciado os horrores dos primeiros anos da epidemia. É imperativo que as campanhas educativas de prevenção não sejam reféns de moralismo e conceitos culturais equivocados. Não se pode permitir que um tema importante da área de Saúde e de Direitos Humanos esteja à mercê de algo tão pouco substanciado e tão variável como é a opinião não científica de uma ou outra denominação religiosa.

A proposta é de que se garantam recursos e meios para a realização de campanhas de prevenção de DST/AIDS e educação para a cidadania, Direitos Humanos e diversidade sexual. E que as denominações religiosas não tenham ingerência sobre o uso desses recursos e meios. Que o governo reafirme seu compromisso, firmado na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBT, de fazer todo o possível para reduzir a epidemia de HIV e outras DST no Brasil – e que não se deixe influenciar pela pressão de grupos religiosos, que sempre se defendem com a tese da ‘livre expressão religiosa’, mas frequentemente interferem com a livre expressão de outras idéias. Que as Paradas do Orgulho e da Cidadania LGBT – que servem como imensas campanhas de prevenção, aproveitando o ambiente festivo – sejam oficializadas nos calendários municipais, estadual e nacional.

A Identidade de Gênero e a Diversidade Sexual são partes integrantes do indivíduo, não são “escolhas”. A religião é escolhida e pode mudar. O Estado Brasileiro é laico e não pode se submeter mais aos desmandos dessa ou daquela denominação religiosa.

Proposta de Tese N º 2 para a 1ª COMUCOM/RJ


Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Sobre o nivelamento e limitações da ‘liberdade de expressão religiosa’ nos meios de comunicação, com base na isonomia entre as diferentes religiões

Hoje, é comum vermos que determinados grupos religiosos, ao testemunharem alguma manifestação ou expressão cultural que vá contra seus princípios doutrinários, rapidamente se armam de supostos direitos de ‘liberdade de expressão religiosa’ e os usam para fomentar conceitos culturais ultrapassados, equivocados e até preconceituosos, em flagrante desrespeito à Constituição Federal e ao direito de cidadania de outras pessoas e grupos.

Sempre que se tenta coibir uma manifestação de caráter preconceituoso e discriminatório por parte de um grupo religioso, ele levanta a bandeira constitucional da livre expressão religiosa. Porém, esses mesmos grupos usam programas de rádio e TV, além de publicações impressas, para atacar outras religiões – principalmente as religiões de Matriz Africana e o Espiritismo de Kardec – ‘demonizando’ suas expressões doutrinárias com base em um suposto ‘sincretismo’ entre as entidades e espíritos que participam dessas filosofias e uma ‘horda’ de ‘espíritos iníquos’ descritos na Bíblia como ‘demônios’.

Além disso, esses grupos religiosos frequentemente lançam mão de sua ‘liberdade de expressão’ para atacar hábitos, conceitos e até identidades que por alguma razão sejam vistas como ‘imorais’ – especialmente questões relativas à diversidade sexual e identidade de gênero. É comum, inclusive, que tais programas e reportagens misturem conceitos e transmitam idéias totalmente erradas, como uma suposta associação entre a homossexualidade e a pedofilia, ou a argumentação de que uma lei que criminalize a homofobia estará forçosamente interferindo com a livre manifestação religiosa.

Em que pese a liberdade de expressão religiosa, ela é um direito fundamental e nacional, que é garantido a todas as formas de expressão – e não apenas a algumas, mesmo com todo o seu peso histórico e sua influência na nossa sociedade e cultura. É preciso determinar com clareza quais os limites da ‘liberdade de expressão’, nos termos da Constituição. A liberdade de expressão não pode ser usada como escudo ideológico e jurídico para proteger manifestações de preconceito, tal como não serve para defender o racismo, o preconceito contra pessoas com deficiência, a discriminação regional ou as teses neonazistas.

A proposta é de que se estabeleça um ‘nivelamento por baixo’; há inúmeras denominações religiosas que, por sua própria natureza e estrutura, não impõem o uso de símbolos religiosos em repartições públicas e afins, não lançam mão de tentativas de conversão em massa na mídia, não fazem propaganda de seus cultos na mídia, não interferem com a vida alheia usando carros de som para propagar suas mensagens, não demonizam outras religiões em seus cultos e não pregam que esse ou aquele indivíduo/grupo ‘precisa ser libertado’ de sua identidade de gênero e orientação sexual.

Só um grupo de denominações religiosas usa tais artifícios, os quais podem ser considerados inconstitucionais, na medida em que interferem com as liberdades individuais e coletivas e ainda atacam outras manifestações culturais – as quais, por sua vez, não são direcionadas de forma alguma a um enfrentamento; são as denominações religiosas que as perseguem. A legislação em vigor deve ser aprimorada para limitar tais atitudes e estabelecer clara regulamentação dos conteúdos da mídia que lidam com conceitos subjetivos e que podem vir a influenciar negativamente a sociedade à guisa de ‘orientação moral’ de base religiosa.

Proposta de Tese Nº 3 para a 1ª COMUCOM/RJ


Proponente: Eduardo Peret – Associação Brasileira de Gays – Coordenação RJ (com base em propostas da Associação encaminhadas à Conecom/MG)

Área – Cidadania: Direitos e Deveres

Tese: Pela promoção da cidadania LGBT nos meios de comunicação de massa

As concessões de rádio e televisão deveriam ser públicas, pois são meios de comunicação de massa, mas são manipuladas pelo Executivo e Legislativo, sem participação da Sociedade Civil Organizada, muito menos um “controle público”, o qual é um dos objetivos desta 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Desta forma, enquanto o governo caça a licença e/ou obstrui as transmissões de milhares de rádios comunitárias, emissoras de rádio e TV são beneplacidamente concedidas em todo território nacional a “representantes” de políticos, igrejas, especialmente Católicas e Evangélicas, e a grupos empresariais. E assim, junto aos jornais impressos, mantêm-se inabalados os oligopólios da comunicação de massa.

Esses jornais se prestam a pressionar altos representantes dos Três Poderes para que projetos sejam aprovados, dirigindo verbas milionárias à publicidade veiculada exatamente nesses meios de comunicação manipulados.

Foi lançado recentemente o livro “A batalha da mídia – governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina e outros ensaios”, do Prof. Denis de Moraes, que será palestrante da Conferência Municipal. Como ele demonstra, a mídia é a instituição com maior capacidade de forjar consensos, moldar opiniões e reproduzir subjetividades e formas de pensar e agir de pessoas, instituições e do próprio país. Enquanto outras instituições – família, escola, exército etc. – estão restritas a determinadas áreas, a mídia atravessa todas elas.

A mídia forjou estereótipos sobre a mulher e seu papel na sociedade. Aborda perifericamente a presença de profissionais negros qualificados, bem como o tratamento dado à cultura das comunidades afrodescendentes e as conquistas do povo quilombola. Sem falar das crianças, transformadas em públicos consumidores. Além disso, a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) é uma das suas maiores vítimas, marginalizadas, ignoradas e/ou perseguidas por práticas políticas, culturais ou religiosas. A maioria dos profissionais da mídia, por exemplo, ainda não sabe como tratar esse contingente, incorrendo em “deslizes” ofensivos. Acrescentem-se aí os fundamentalistas religiosos que detêm programas de rádio e TV, apresentadores de programas de entrevistas, humorísticos, shows, que usam palavreado e situações pejorativos e humilhantes para com a população homossexual.

Por várias razões (agressão física/psicológica, assassinato, demissão sem justa causa, exclusão nas escolas, expulsão de casa na adolescência etc.), faz-se necessária a aprovação urgente do PLC 122/06, Lei Federal que criminaliza a homofobia tanto à pessoa física quanto à jurídica e nos meios de comunicação. Com base nessas premissas, as propostas são:

I – Desenvolver nos Três Poderes políticas públicas focadas na utilização dos meios de comunicação de massa como promoção da cidadania LGBT.

II – Criar, nas Secretarias de Comunicação, portaria para garantir o reconhecimento do segmento LGBT para fins de divulgação de ações e promoção da Saúde, Educação, Cultura, Justiça, Assistência Social e trabalho dos Governos.

III – Prefeituras, Governos, Presidência da República, Judiciários e Ministério Público promoverem e fazerem veicular campanhas publicitárias de combate ao ódio e discriminação e propondo a valorização da população LGBT.

IV – Estimular, por meio de editais públicos, produções audiovisuais com temas relacionados à população LGBT, tal como já ocorre com a mulher e populações carentes, entre outras.

V – Democratização da comunicação e reativação dos Conselhos de Comunicação Social, tornando-os deliberativos e incluindo representação da comunidade LGBT.

VI – Reconhecer e divulgar como de utilidades públicas, nas campanhas publicitárias governamentais e/ou veículos de comunicação estatais, educativos ou públicos, as datas comemorativas da comunidade LGBT: 29 de Janeiro – Visibilidade das Travestis, 17 de maio – Luta contra a Homofobia, 28 de Junho – Dia Mundial do Orgulho LGBT e 29 de Agosto – Visibilidade Lésbica.

VII – Classificar como inadequados para menores de 18 anos os programas, filmes e noticiários de conteúdo homofóbico, machista e/ou racista.

VIII – Garantir em todos os veículos e meios de comunicação pública a inclusão na grade de programação assuntos voltados à valorização, respeito e promoção da cidadania de LGBT.

IX Criar, no Ministério da Justiça, comissão permanente em comunicação e orientação sexual e identidade de gênero, a fim de combater a homofobia.

X - Garantir a laicidade nos processos de outorgas de concessões públicas de rádio e TV.

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